1.16.2007

* O som e a fúria de Yamandú





Tudo em Yamandú Costa parece singular: a técnica do violão, que brinca com andamentos e intensidades das melodias, as apresentações performáticas, o impulso criador. Aos 24 anos, conquistou o respeito e a admiração tanto do público quanto da crítica, e é considerado um dos maiores violonistas brasileiros

por Paula Albuquerque
[revista Polifönica, fevereiro 2005]
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O Teatro Municipal de Itajaí está lotado para uma das apresentações mais aguardadas do tradicional Festival de Música,que movimenta a cidade todo ano. Muito aplaudido, entra no palco Yamandú Costa, um sujeito gordinho de cabelos compridos, vestindo bombacha, alpargatas e lenço no pescoço. “Estou meio nervoso. Nunca fico nervoso. Acho que é porque aqui foi um dos primeiros lugares onde toquei”. Não parece nem um pouco desconfortável. Pelo contrário. Caminha até a cadeira com passo lânguido, se acomoda, cruza as pernas e dedilha o violão de 7 cordas. Cruza e descruza as pernas. Aperta os olhos. Se contorce, irrequieto. O movimento do corpo obedece às variações da melodia. Passeia por temas de Villa Lobos, pelo choro, pelas milongas gaúchas, por tangos de Piazzolla. Vai do dedilhado suave ao quase desespero, batucando no tampo do violão. Yamandú é capaz de evocar a fúria e a doçura e alterná-las em questão de segundos, não raro na mesma música. Desconstrói e imprime seu estilo em cada uma delas.

Aos 24 anos, o gaúcho de Passo Fundo não é apenas mais um virtuose do violão. Yamandú não só é tecnicamente competente, como tem um vigor e um impulso criativo que o fazem merecer as comparações com mestres como Raphael Rabello e Garoto. E, não se pode deixar de notar, tem presença de palco e conquista o público com seu bom humor. Afina o violão compulsivamente a cada música, e brinca: “tem um cara aqui afinando e vocês aí na platéia. Quem quiser falar alguma coisa pode vir aqui falar”. “Agora vou tocar uma música minha, chamada Tareo. Nome ridículo, fazer o quê? Sou péssimo para dar nomes”, avisa.

Na turnê do novo disco - Yamandú ao vivo (Abgi, 2003) -, é acompanhado por Thiago do Espírito Santo (filho de Arismar) no contrabaixo e Eduardo Ribeiro na bateria. O acordeonista Alessandro Kramer (Bebê) sobe ao palco com o trio, e a química entre os quarto é perfeita. Yamandú agradece a presença de Seu Alencar, pai de Bebê, e anuncia a próxima música: “Seu Alencar, o senhor não repare. A gente vai enlouquecer um pouco. Mas a música é essa mesmo”. Piazzolla ficaria surpreso.

Trajetória precoce - “Yamandú Costa já se tornou um dos maiores violonistas do mundo”, afirmou o crítico musical Artur Nestrovski. O reconhecimento começou precocemente: aos 17 anos, apresentou-se pela primeira vez em São Paulo, no Circuito Cultural Banco do Brasil, e desde então passou a ser aclamado nacionalmente como instrumentista revelação. Em 2001, conquistou o primeiro lugar no Prêmio Visa Edição Instrumental, participou do Free Jazz Festival, no Rio de Janeiro e em São Paulo, e gravou seu primeiro disco solo Yamandú (Eldorado/Sony, 2001), produzido por Maurício Carrilho. Em 2004, recebeu o Prêmio Tim de Música Brasileira na categoria de Melhor Solista.

Filho da cantora Clari Marson e do trompetista e violonista Algacir Costa, líder do grupo Os Fronteiriços, Yamandú aprendeu a gostar de música ainda menino, em sua cidade natal, Passo Fundo. Aos quatro anos, subiu pela primeira vez no palco, para cantar ao lado da família; aos sete, começou a aprender violão com o pai; e aos nove, numa apresentação com um primo num bar em Maceió, descobriu o improviso (que se tornaria característica de seu trabalho) - Yamandú foi abandonado pelo primo no palco enquanto tocavam Marina, de Dorival Caymmi, e, não tendo decorado a música, criou variações na melodia.

Musicalidades da fronteira - As raízes gaúchas são motivo de orgulho para Yamandú. “Quero mostrar às pessoas uma cultura que o povo criou e não conhece”, contou, dedilhando o inseparável violão, enquanto conversava com a polifönica pouco antes do show daquela noite. Seu mestre foi o argentino Lucio Yanel, parceiro no primeiro disco – Dois Tempos (Acit, 2000). Lucio era amigo de seu pai e morou por uns tempos na casa da família de Yamandú. “Eu tinha uns três, quatro anos e me criei ouvindo a maneira dele tocar. Linda maneira de tocar. Era uma coisa muito impressionante, muito gaúcha, popular, forte. Foi minha grande inspiração”. Garante que não tem a menor intenção de enveredar por caminhos da música erudita ou do jazz; sua maneira de tocar será sempre popular e baseada no que escutava desde pequeno - tangos, milongas, zambas e chamamés, tradicionais da fronteira do Rio Grande do Sul com os demais países da América Latina.

Adolescente, Yamandú largou a escola para se dedicar exclusivamente à música, aprendeu a tirar melodias de ouvido e conviveu com artistas dos mais diversos estilos na boemia de Porto Alegre, onde morava na época. Escutou Radamés Gnatalli e despertou para outros estilos da música brasileira, se encantou por Tom Jobim, Raphael Rabello, Baden Powell. O contato com Baden rendeu-lhe uma de suas melhores lembranças: “eu estava tocando num bar em Porto Alegre - me criei nos botecos -, quando chegou um cara dizendo: 'Olha, vou trazer o Baden Powell pra fazer um show e você vai abrir' (faz uma voz impostada e divertida). Não acreditei no cara, né? E era verdade, o cara me ligou e marcou a data. Fiquei apavorado. Foram dois dias de convivência, uma honra muito grande”.

Yamandú relembra que Baden tinha um ritual de permanecer cerca de seis horas dentro do camarim se concentrando para o show. E você, Yamandú, também tem algum ritual antes de entrar no palco? Ele dá uma gargalhada saborosa. { }

2 comments:

barbara said...

linda resenha.
yamandú toca essas 7 cordas e mexe com todos os possíveis sentidos.
o bendito album que ele gravou com o paulo moura quero levar pra vida.
alias, que tal a polifonica trazer a dupla?
juro que pago promessa e faço novena de dez dias. céus.

Anonymous said...

Vim para dizer que vi um show do Yamandú com Armandinho (cavaquinho)... Emocionante e agitado, "muita nota", como disse a Silvinha. Nesse mesmo dia muitos músicos subiram ao palco (entre eles o Raul de Souza), todos coordenados pelo Yamandú que, com muita classe e demonstrando muito respeito aos seus respectivos talentos, não deixou de perguntar para cada um deles o que desejavam apresentar naquela noite!
E foi espetacular!