11.22.2006

* Subtrøpikåliæ #1: bacalhau completo [ou: o renascimento de Aldo Alves]


"Har du tid och pengar, så köper du min samba."
[Se tiver tempo e dinheiro, vá comprar o meu samba.]
-Cornelis Vreeswijk, interpretando “Quem te viu, quem te vê” de Chico Buarque
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Aldo Alves, re-nascido, re-vestido. Refazendo tudo, realçando, reAldo. Quando cheguei ao Brasil, há um ano e meio, já sabia o que me aconteceria. Já previa meu renascimento musical. Vim para o Brasil por sua música – na realidade, sobre o Brasil somente conhecia a música. Sobre o resto, tinha em mente, basicamente, uma imagem da África na época colonial. Levei todas as minhas camisetas brancas e ordinárias, e um gorro ridículo, roupas pra botar no calor ardente da savana brasileira. A maior parte das roupas de que eu realmente gostava, deixei em casa, ali na terra do bacalhau, e do A-Ha. Afinal, o Brasil não era tão longe de casa.

Ainda não havia visto a globalização na prática. Hoje vi, e a vejo todo dia. Foi a globalização que trouxe a música brasileira pra Noruega, pra Aldo Alves ouvir, pra Aldo Alves se apaixonar. Foi a globalização que criou a bossa nova, que levou Tom Jobim, João e Astrud Gilberto pra Nova York, pra, em 1963, gravar o disco Getz/Gilberto, com o rei do sax crocante, Stan Getz. Foi a globalização que então trouxe este disco pra uma loja de discos em Bergen, Noruega, pra minha mãe ouvir, curtir, comprar. Disco que Aldo Alves, trinta anos depois, acharia entre muitos discos sem graça (e alguns outros também graciosos) numa estante, sob um toca-discos ainda funcionando, em Asker, subúrbio de Oslo, tão burguês quanto a Copacabana da década de 60 de Tom e de João. Subúrbios tão fora do mundo, e tão dentro; subúrbios tão globalizados, tão globalizantes.

Depois deste primeiro encontro crucial com a música brasileira - Aldo Alves meets the Bossa Nova -, haveria outros, igualmente essenciais. Talvez o mais importante: com Rios, Pontes e Overdrives, de Chico Science & Nação Zumbi, ouvido no fim do ano de 2001. Tinha me encontrado com um norueguês, ex-estudante no Brasil, que, felizmente, havia trazido bastante música brasileira pra nossa terra. Trocamos discos de música brasileira e ouvi Rios, Pontes e Overdrives. Pra mim, música puramente eletrônica. Não podia entender esta música de outra maneira. Era música pra dançar e, na Noruega, música pra dançar é por definição eletrônica. Minha cabeça musical, conhecendo já a bossa nova, a tropicália e o Clube da Esquina, não tinha referências nem categorias para entender o mangue beat como música orgânica (levaria muitos anos ainda para as categorias necessárias se criarem). Desentendi, achando música eletrônica, e entendi como música pra dançar - por essas duas razões, adicionei-a ao meu DJ set. Entendimento é interpretação, só pode ser interpretação. O mangue beat se incorporou na narrativa musical aldoalvense, sem precisar ser brasileiramente entendido.

Outro encontro crucial foi com Chico Buarque. Ele, também, na coletánea de vinis da minha mãe. Só que ele cantava em sueco, através do cantor sueco-holandês Cornelis Vreeswijk. Bruna Bönor Complêt, uma história sobre um casal sem vontade de sair da cama pra almoçar, então abre uma lata de feijão. E Deirdres Samba, sobre uma prostituta do morro do Rio de Janeiro, ganhando seu dinheiro com turistas na Copacabana. Depois de chegar ao Brasil, procurei por quase um mês os originais dessas canções, ouvindo toda nova coletánea de Chico Buarque, não sabendo os títulos dos originais. Um dia, numa daquelas caixas de discos por dez reais nas Lojas Americanas, achei os dois. Numa coletánea: Feijoada Completa, em outra: Quem te viu, quem te vê. Foi um dia de festa. (Porém, até hoje, prefiro a versão sueca de Feijoada.)

Se a vontade de Ariano Suassuna fosse a vontade de Deus, eu provavelmente nunca chegaria ao Brasil - já que, daí, nem bossa nova, nem CSNZ e nem Chico [em sueco] chegariam à Noruega (nem, na real, ao Brasil). Mas, felizmente, o purismo cultural só existe na teoria. Na prática existe o Brasil, existe a América; nascidos da tentativa de levar a Europa para a Índia, da tentativa dos europeus e crioulos de destruírem diferenças culturais, da tentativa dos escravos de preservar sua(s) africanidade(s), da tentativa dos índios preservarem suas vidas. Por isso, digo pro mundo: ich bin ein Amerikaner. América é o berço da modernidade; por isso fui americano desde moleque. Muitos europeus denunciam sua americanidade. Eu acabei de descobrir a minha. All gone to look for America, I was never lost, but now I’m found.

Pra grande maioria de noruegueses, música brasileira e bossa nova são sinônimos. Em minha cabeça, existiam já, no momento do encontro com CSNZ, algumas categorias. Já havia aprendido a distinguir a Tropicália do Clube da Esquina e do mangue beat (e tinha uma noção rudimentaríssima, através das músicas de Chico-em-sueco, de o que era samba). Mas até chegar ao Brasil, a música que se pode realmente chamar, ritmicamente, de afro-brasileira fazia parte da minha categoria mental de bossa nova. Chegando na Bahia, fui ver um show do Núcleo de Percussão da Orquestra Sinfônica da UFBA. Pra mim, foi um espetáculo de bossa nova de primeira classe. Era um show de obras de Pixinguinha.

Brasil, meu Brasil brasileiro. I saw you dancing, and I’ll never be the same again, for sure. Fui-me embora daquele mundo de ilusão, cheguei, meu povo, pra cumprir minha obrigação.
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To be continued, para sempre.

Este texto contém samples de Ary Barroso, Gilberto Gil, John F. Kennedy Jr., Jorge Ben Jor, maracatus de baque virado, a minha mãe, Os Originais do Samba, Simon & Garfunkel, vários filmes norteamericanos e Yaki-Da. Todos os samples usados sem autorização.

NOTAS:
[1] Minha imagem, obviamente com algumas modificações, ainda é essa. Brasil é África. Mais sobre isso no futuro.
[2] Por uma razão ou outra, na Bahia todo mundo sabe que A-Ha é banda norueguesa. Na Ilha de Santa Catarina, ninguém sabe. Na Bahia, eu era da terra do bacalhau e de A-Ha. Na Ilha, sou apenas da terra do bacalhau. Um peixe gostoso, sem dúvida, mas um peixe. Bem, quem precisa de boas razões e boas referências pra amar sua terra?


* Audun Hole [o norueguês mais brasileiro que a Polifönica já conheceu, em sua coluna no projeto da Revista Polifönica, fev.2005]

8 comments:

AdV said...

oba!

* polifönica * said...

sugiro a seqüência dessa coluna, ad infinitum, aqui no blog. que tal?
=*
[paula]

* polifönica * said...

também sugiro.
eu lembro que fiquei puta quando li a coluna do audun pela primeira vez... tipo 'como que um norueguês se atreve a escrever melhor que eu?!'
adoro, adoro. e fico toda orgulhosa do audinho.

[juju]

barbara said...

eu nunca havia lido esta coluna...como é que pode? não pode.
terminei a leitura, ansiando a sequência, apoio a campanha!!!
abraços.

AdV said...

tá, jeg tar poenget, vou continuando aí... =] se opp for polyföniske skriblerier nær deg!

Anonymous said...

faz favor de traduzir isso, senhor?
assim não é possível, oras!
e tenho dito, nêgo dito. !
bises [paula]

Anonymous said...

concordo!!

audinfinitum!

AdV said...

Aiai, difíceis vocês...

jeg = eu
tar = saco/saca/sacam etc
poeng-et [= ponto-o] = o ponto
se opp = fique[m] ligado[s]
for = para
skribleri-er = escrito-s
nær deg = perto de você

Tá bom?
Beijos&beijos